Em um cenário dominado por clones previsíveis e narrativas recicladas, Hell Clock surge como uma rajada quente do sertão. Desenvolvido por um estúdio brasileiro apaixonado por suas raízes, o jogo é um hack’n’slash roguelike com visão isométrica, ambientado em uma realidade alternativa inspirada na Guerra de Canudos, um dos episódios mais dramáticos e negligenciados da história brasileira. Longe de ser apenas mais um título indie, Hell Clock carrega consigo uma proposta estética e narrativa ousada, que mistura folclore, crítica social e ação frenética — tudo envolto em um clima árido, místico e feroz.

Um jogo sobre história, identidade e caos
A primeira coisa que salta aos olhos é o cenário escolhido. A Guerra de Canudos, conflito ocorrido no fim do século XIX entre o Exército brasileiro e os seguidores de Antônio Conselheiro, é tratada em livros didáticos com uma frieza incompatível com sua importância. Hell Clock pega esse pano de fundo e o transforma em um pesadelo distorcido e simbólico, misturando elementos sobrenaturais e folclóricos a eventos reais, criando um universo próprio, sombrio, visceral e profundamente simbólico.
A ambientação do jogo não é apenas decorativa: ela dita o ritmo, as armas, os inimigos, o idioma e até a trilha sonora, que mistura ritmos nordestinos com tons sombrios e distorcidos. Há uma identidade marcante em cada cena — do solo rachado pelo sol ao toque do berrante em momentos-chave — que imprime autenticidade ao jogo.
Jogabilidade familiar, execução diferenciada
Quem já jogou títulos como Hades, Dead Cells ou Children of Morta se sentirá em casa com a estrutura básica de Hell Clock. O jogador é jogado em arenas, derrotando ondas de inimigos, coletando recursos, aprimorando habilidades e tentando sobreviver o máximo possível antes de recomeçar do zero. O que poderia soar como mais do mesmo ganha contornos especiais graças à fluidez dos combates, ao arsenal criativo e às builds diversificadas.

Cada run traz possibilidades novas. A árvore de habilidades é robusta e inteligente, incentivando experimentação. Há espaço para jogadores que preferem confronto direto com armas pesadas e para aqueles que adotam abordagens mais táticas, com armadilhas, invocações e buffs.
“A jogabilidade dele é uma das fórmulas conhecidas dos hack’n’slash, dos roguelikes com visão isométrica. Em contrapartida, ele se apoiou nesse estilo já conhecido de jogo, trazendo uma temática única, o que é uma adição incrível para o mercado brasileiro”
Atualizações constantes e escuta ativa da comunidade
Algo que chama muito a atenção é o compromisso da equipe de desenvolvimento com o refinamento contínuo do projeto. Desde as primeiras builds até o acesso antecipado, Hell Clock passou por melhorias visíveis. A atualização mais recente, que veio logo após o fim do NDA (acordo de confidencialidade) no dia 21 de julho, trouxe novas armas, correções de bugs críticos, melhorias no balanceamento e cenas mais polidas.
Mas mais importante do que isso: a equipe escuta. Com um canal aberto com os jogadores, sugestões têm sido incorporadas constantemente, e críticas são tratadas com maturidade. Essa postura profissional e humilde é um sopro de esperança no meio de tantos lançamentos apressados e abandonados do mercado atual.
“Pude ver o empenho e o carinho dos desenvolvedores ao fazer esse tipo de jogo. E atualmente, continuar atualizando, ouvindo dicas, críticas e as opiniões do pessoal que está testando o jogo agora… é algo raro e valioso.”
Narrativa simbólica e questionadora

Embora Hell Clock não siga uma estrutura narrativa convencional com cutscenes longas ou escolhas morais explícitas, ele se comunica através do ambiente, dos personagens e da simbologia. Elementos religiosos — como cruzes tortas, figuras messiânicas distorcidas e dogmas reimaginados — permeiam toda a história. Há um constante senso de dúvida: estamos fazendo o certo como protagonista? Quem realmente são os vilões dessa história?
“A trama possui um cunho muito religioso que, além de satisfatório, faz a gente se perguntar se o que está fazendo como personagem principal é certo ou errado”, afirma nosso redator.
Essa abordagem, além de enriquecedora, estimula a reflexão sobre eventos históricos reais — como a repressão brutal de Canudos — e suas ressonâncias contemporâneas, como fanatismo, exclusão social e violência estatal.
Estética feita à mão e trilha sonora visceral
Visualmente, o jogo impressiona. Os cenários têm aparência artesanal, como se cada detalhe tivesse sido pintado à mão. A aridez do sertão é representada com um cuidado quase poético: árvores secas se contorcem ao fundo, cidades-fantasma escondem segredos e a luz do sol parece pesar sobre a pele do jogador.

A trilha sonora é outro ponto alto. Misturando instrumentos típicos do Nordeste com sons experimentais e distorções metálicas, ela cria um clima de urgência e ancestralidade. A dublagem em português merece destaque especial: é expressiva, crível e profundamente imersiva, algo que raramente vemos em jogos independentes nacionais.

Hell Clock é cultura em forma de gameplay
Mais do que apenas um jogo divertido, Hell Clock é uma manifestação cultural. Ele desafia a noção de que apenas o exterior pode contar boas histórias e nos mostra que há um imenso valor narrativo e simbólico no Brasil profundo. Falar sobre Canudos com um toque de ação sobrenatural não diminui o valor da história — pelo contrário, reacende o interesse por ela de forma impactante.
Como produto cultural, Hell Clock se junta a uma crescente leva de jogos brasileiros que se recusam a seguir padrões estrangeiros e abraçam suas raízes com orgulho.
Critério | Nota (0 a 10) | Comentário |
---|---|---|
Diversão | 9.0 | A temática envolvente e o estilo roguelike clássico garantem muitas horas de entretenimento. |
Gameplay | 8.5 | Fluida e responsiva, mas ainda pode melhorar em termos de refinamento e variedade. |
Qualidade Gráfica | 9.0 | Visual marcante e estilizado, com forte identidade brasileira e regional. |
Desempenho | 8.0 | Leves quedas de FPS em momentos mais caóticos, mas nada que comprometa a experiência geral. |
Trilha Sonora e Dublagem | 10.0 | Impecável. A dublagem em português Brasil e a trilha sonora reforçam a imersão cultural. |
História e Ambientação | 9.5 | Narrativa com base histórica e folclórica brasileira é um grande diferencial. |
Rejogabilidade | 8.5 | Boa variedade de armas e builds, favorecendo novas abordagens em cada run. |
Atualizações e Suporte | 9.0 | Equipe ativa, receptiva ao feedback e comprometida com a evolução contínua do jogo. |
Nota Final: 9.0 / 10
Hell Clock não é apenas um bom jogo — é um jogo necessário. Ele resgata um pedaço da nossa história, mistura com folclore, arte e criatividade, e entrega tudo isso em uma estrutura moderna, acessível e desafiadora. Ainda em fase de acesso antecipado, já mostra um potencial gigantesco e uma base sólida para se tornar um clássico indie nacional.
Se você procura um jogo que una desafio, representatividade e uma direção artística marcante, Hell Clock deve entrar imediatamente no seu radar. E mais: deve entrar na sua biblioteca.
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